Certa vez ouvi do Monge Marcelo Barros uma reflexão sobre João 1:29: “Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo”.
Marcelo adverte que este versículo traz uma armadilha, a de imaginar que Cristo doou-se como Cordeiro de Deus, em sacrifício, para remissão dos nossos pecados. Embora seja isto verdade, ela é parte de uma verdade maior: Cristo tira os pecados do mundo.
E quais são os pecados do mundo que Cristo veio redimir, dando-se como Cordeiro?
A resposta pode ser dada por Maria, quando, em seu Cântico, reconhece que o Senhor olhou para a humilhação de sua serva, e diz a Isabel o propósito do milagre de Deus (Lc 1:51-53):
Agiu com a força de seu braço,
dispersou os homens de coração orgulhoso.
Depôs poderosos de seus tronos,
e a humildes [como ela própria] exaltou.
Cumulou de bens a famintos
e despediu ricos de mãos vazias. 1
A oração do Magnificat talvez seja uma das passagens bíblicas mais representativas da missão de Cristo na terra. Ele veio para exaltar os humildes, cumular de bens os famintos e despedir os ricos de mãos vazias.
O Cântico de Maria, portanto, traz importantes aspectos para responder à questão sobre como interpretar o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo.
A fome, a humilhação, o orgulho dos poderosos, a miséria e a riqueza como faces do mesmo fenômeno são os pecados do mundo que Cristo veio remir.
Embora a contrição de nossos pecados passe necessariamente por olhar com sinceridade para nossa alma e compreender que soberba, ganância, luxúria (impureza), gula, ira, inveja e preguiça são pecados contra Deus - e também contra nós mesmos - e que deles devemos arrependermo-nos, a salvação ofertada por Cristo não é tão-somente para salvação pessoal e uma paz isolada.
A missão de Cristo foi a de redimir os pecados do mundo. Nós, pecadores, somos mundanos - parte do mundo e não um mundo à parte.
Aliás, em 2008 muito se falou sobre uma lista de novos pecados que teria sido divulgada pela Igreja, incluindo pecados contra o meio ambiente, bem como pecados de riqueza excessiva, geração de pobreza, violações bioéticas, agravamento da injustiça social, uso de drogas e experimentos dúbios com células tronco.
Havia aqui uma imprecisão na "lista" alastrada pela imprensa: estes não são "novos" pecados, mas sim pecados que decorrem dos pecados capitais - pecados cabeça, dos quais outros decorrem.
A destruição do meio ambiente como fonte de enriquecimento, a exploração da pessoa humana, entre outros, são pecados filhos da ganância. O orgulho, a vaidade, a arrogância, a prepotência, a auto-suficiência, entre outros, são pecados filhos da soberba. 2
Assim, o sacramento da Confissão - ou Reconciliação, como prefiro - é o Sopro de Deus, que Jesus anuncia aos discípulos no dia da Ressurreição (Mc 20:21-23):
Ele lhes disse de novo:
A paz esteja convosco!
Como o Pai me enviou,
também eu vos envio.
Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse:
Recebei o Espírito Santo.
Aqueles a quem perdoardes os pecados
ser-lhes-ão perdoados;
aqueles aos quais retiverdes
ser-lhes-ão retidos. 3
Em um mundo iníquo, onde predominam a exploração das pessoas e do meio ambiente, onde riqueza e pobreza obscenas coexistem como uma só realidade, mais e mais precisamos do Sopro do Espírito Santo, mais e mais precisamos da redenção dos pecados do mundo.
Que nossa Reconciliação seja, a um só tempo, remissão de nossos pecados e remissão dos pecados do mundo, do qual somos parte.
Serviço:
Confissões comunitárias durante a Semana Santa
Frei Aloísio
Terça (26) e quarta (27): 19h
Quinta (28), sexta (29) e sábado (30): 9h
Paróquia do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora
Rua Joaquim Nabuco, 237, Graças, Recife
1 Tradução da Bíblia de Jerusalém (Ed. Paulus, 2012).
2 Cf. AQUINO, Felipe. Há novos pecados capitais? Disponível em:https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/ha-novos-pecados-capitais/
3 Tradução da Bíblia de Jerusalém (Ed. Paulus, 2012).